Introdução
No Brasil vivenciamos diariamente o surgimento de novos doutores em todos os segmentos da sociedade. São Doutores acadêmicos, advogados, médicos, dentistas, enfermeiros, fisioterapeutas, engenheiros, enfim, profissionais liberais; também o é qualquer outro que possua uma condição financeira superior à média nacional, todos ostentando o concorrido e almejado título de Doutor, enraizado ao tupiniquismo sócio-cultural brasileiro, são apresentados e reconhecidos perante a sociedade.
Doutor - título ou pronome de tratamento?
O título de Doutor é atribuído a toda pessoa que tenha recebido o alto grau acadêmico, após conclusão do Doutorado ou Doutoramento e conseqüente aprovação em defesa de tese, o qual é conferido por uma universidade ou outro estabelecimento autorizado a conceder este título.
Os pronomes de tratamento são palavras que exprimem o distanciamento e a subordinação em que uma pessoa voluntariamente se põe em relação a outra, a fim de agradá-la e ensejar um bom relacionamento. Porém, seu emprego abusivo poderá afetar negativamente a dignidade da pessoa que os emprega; é o que se chama sabujice. [06]
O Aurélio [07] define os pronomes de tratamento como "palavra ou locução que funciona tal como os pronomes pessoais". Os gramáticos, por sua vez, ensinam que a base desses pronomes são certos qualificativos. Ao usá-los, não falamos diretamente com a pessoa, mas estando em sua presença, nos dirigimos a ela representada por aquilo que ela tem de notável, uma qualidade que é tomada pelo substantivo respectivo.
Abordagem bastante precisa é a decisão judicial que tramitou no Rio de Janeiro envolvendo um juiz que pleiteava tratamento formal de Doutor por parte dos funcionários do condomínio onde residia. A tutela jurídica lhe foi negada consusbstanciada tão somente no fato de que o juiz não detinha título acadêmico de doutorado. Eis algumas linhas da sentença:
(...)Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo. Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito. Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente. Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida.
"Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas de "doutor", sem o ser, e fora do meio acadêmico.(...) [09]
Os doutores brasileiros
Fica patente a existência e a separação forçosa dos vários Doutores brasileiros. Assim, é comum entre as pessoas mais humildes e sem instrução, e por funcionários mal preparados, associarem o termo Doutor a um status social ou a um nível de autoridade superior. Em verdade, o termo Doutor se generalizou no verbete popular por tradição, respeito e por espontaneidade ao erguer deferência pelo saber doutrinário e prática dos ofícios dos médicos e advogados.
Aziz Lasmar, em caderno de Debates da RBORL, de março - abril de 2004, relata que atendia a uma menina de uns 5 ou 6 anos, que prestava atenção a tudo, principalmente a como a mãe se dirigia a ele: doutor pra cá, doutor pra lá. Num dado momento perguntou à mãe se ele era afinal doutor ou médico. Antes que a mãe respondesse, o médico falou que era médico (...) que doutor era qualquer pessoa que tivesse carro. [11]
Destarte, Scarton corrobora com nosso posicionamento, rejeitando um dos sentidos do termo Doutor, qual seja, tratamento que as pessoas mais humildes dispensam aos que se apresentam bem vestidos, aos que estão acima, que podem mais, que têm mais. É um flagrante tratamento de vassalagem, e quem o usa se submete, se põe em inferioridade social, se auto-exclui.
Por ignorância cultural o povo desconhece a origem e o significado valoroso do termo você. O pronome você [12] é uma contração da alocução vossa mercê, e é por essa razão que é usado como terceira pessoa, pois a concordância dá-se com uma qualidade que representa a pessoa poderosa, sua magnanimidade ou mercê. Mas, igualmente como se sentiu ultrajado o juiz de direito carioca ao ser tratado por você, todos os que se intitulam doutores também se sentem.
Doutor não é pronome de tratamento, estes são expressões do distanciamento e da subordinação em que uma pessoa voluntariamente se põe em relação a outra a fim de agradá-la e ensejar um relacionamento cortês. O principal pronome de tratamento, consagrado universalmente e o único que as pessoas comuns devem usar como necessária manifestação de respeito, não importa a quem estejam se dirigindo, é senhor e senhora, usando-se sempre o tratamento direto; e a expressão vossa senhoria na forma indireta. [13]
Data vênia, ao nos dirigirmos ao mais alto cargo do executivo nacional, ou seja, ao presidente da república, utiliza-se nada mais que "Senhor Presidente".
Paulo Roberto C. Queiroz
97ªZE-Trairi/Ce
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